segunda-feira, março 21, 2005

Mar adentro

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Vi o filme há mais de uma semana. Dei o tempo de maturação necessário para, sem pensar muito nisso, conseguir perceber o que decididamente gostei e o que me incomodou na abordagem de Amenábar à história de Ramón Sampedro.
Ao contrário do que possa pensar quem ainda não viu e conhece a história real em que se baseia, o filme não é, de todo, demasiado emocionante ou deprimente. O belíssimo tratamento das imagens da Galiza e a sensação de espaços abertos em que, com a concentração, Ramón se imagina, retira a sensação de claustrofobia e depressão da vida de um tetraplégico que esteve numa cama durante 29 anos e que, por opção, nem sequer admitia deslocar-se regularmente em cadeira de rodas.
A figura de Ramón e a sua personalidade são-nos apresentadas de uma forma muito positiva, havendo inclusive momentos bastante divertidos, como a conversa “à distância” com o padre Francisco, também tetraplégico, que o quer demover da ideia da morte e alguns dos diálogos com Júlia, a advogada por quem se apaixona e Rosa, a rapariga simples que acaba por o ajudar a morrer.
Subjacente a todo o filme está a ideia assente de que Ramón quer morrer e o trabalho legal que a DMD ( Associación Derecho a Morir Dignamente) realiza para que lhe seja dada autorização para o fazer, sem que ninguém seja por isso perseguido pela justiça.
O discurso do advogado que defende a causa de Ramón perante os juízes apresenta um argumento que parece imbatível. Se Ramón se pudesse suicidar sozinho, ninguém o condenaria legalmente caso sobrevivesse, porque à luz da lei, suicídio não é crime. Não o podendo fazer sozinho e tendo afirmado com perfeita lucidez que o queria fazer, porquê perseguir judicialmente quem o ajudasse? Ainda assim, a justiça nega-lhe esse direito e é necessário que quem o ajude seja protegido. Quem conhece a história, sabe que assim foi.
Tenho que esclarecer que, para mim, a eutanásia ou o “suicídio assistido” se coloca no mesmo plano que o aborto. Para que possa haver liberdade de escolha em algo que é intrinsecamente do foro íntimo de cada um, tem que haver lei que o permita. Esta é a minha posição e, por isso mesmo, me interrogo sobre o porquê de algumas reticências em relação ao filme.
Na verdade, o que me incomodou foi a constatação de que, independentemente do seu corpo, Ramón era um ser humano mais vivo que muitos em plena posse das duas faculdades físicas, um poeta, um homem cheio de humor. O que é então a vida? Seria eu capaz, perante um ser humano assim, de o ajudar a morrer? Provavelmente não, tal como Júlia, que sofria de uma doença degenerativa, também não foi capaz de levar a cabo o pacto de suicídio. Foi cobarde? Talvez. Ou talvez tenha sido ela a corajosa. Quem será capaz de julgar?
Penso que Amenábar não quis fazer um panfleto pró-eutanásia. Para que o fosse, teria que “escurecer” muito o ambiente e toda a acção. A atmosfera luminosa, terna e bem-humorada de quase todo o filme dá à morte daquele ser humano excepcional um sabor amargo. Um sabor de perda. No entanto, era a sua inequívoca vontade. E é neste dilema que eu me debato. Sem ter resposta.

14 Comentaram:

Blogger Papo-seco disse...

Sou completamente a favor da eutanásia como sou a favor do aborto.

Mas acho que estes dois actos não podem ser colocados no mesmo patamar.

O aborto é sem dúvida uma opção dolorosa, mais ou menos dolorosa conforme os casos, mas sempre dolorosa e nunca leviana. Mas, e este mas é que para mim marca toda a diferença em relação à eutanásia, pode ser “compensada” à posterior. Não é a mesma coisa, eu sei. Mas o que quero dizer é que o instinto maternal não se perde num aborto, e mesmo que fiquem danos físicos e irreparáveis, pode-se recorrer à adopção. Isto é, o aborto feito em condições ideais de assistência (é por esse que eu luto) não implica a morte, mas somente a dor, seja psicológica (sempre) seja física.

A eutanásia não.

Na eutanásia o grande problema que se coloca, a grande dor que se sente, as grandes dúvidas que se têm, a grande tristeza que se vê, é nos outros. Ele não tem dúvidas. Ele quer. Ele deseja..Ele não vê outra solução. Ele sabe o que quer da mesma maneira que está seguro no que não quer.

Deve uma pessoa assim ser respeitada no que quer?
Deve.

E agora. Quem tem “tomates” para o fazer?

Consegue-se amar o suficiente ao ponto de se conseguir matar quem se ama?

Matar quem não se ama porque fez mal a quem se ama, é título diário de manchete de jornal.

O pai de Ramón Sampedro, nas poucas falas que tem no filme, teve aquela que mais me deixou abananado – Pior que ter um filho morto é ter um filho que quer morrer.

Tenho dois filhos.

Amo-os muito.

Quero nunca ter de o provar.

12:12 da tarde  
Blogger wind disse...

Texto para reflectir, Lique. Conheço a história, não por a ver no cinema, mas porque foi badalada quando isso aconteceu. Ele foi um homem de coragem. Quanto à eutanásia sou a favor, só não sei se fosse com alguém chegado se eu o conseguiria fazer. Muitos beijos:))***

2:52 da tarde  
Blogger sotavento disse...

Ora, aí está! É o que dá andar sempre a adiar coisas, ainda não vi o filme!... :(
Quanto às escolhas a que temos direito na vida, são tão poucas!... Essa é tipo castigo: já que não escolheste nascer, também não podes escolher morrer!...

4:49 da tarde  
Blogger Conceição Paulino disse...

Tmb já vi o file há + de uma sem ana e ainda n/ me senti capaz de falar sobrre ele, talo meu encantamento. A tua duvida n/ tenho. Acho k a eutanásia deve ser permitida. Bem balizada num quadro legal humanista,mas cuidado. Nem todos queremos morrer, mas a digndade e a liberdade são um direito nosso. Só quem ama muito a vida a quer largar, em determinadas circunstâncias. Como Ràmon, na vida real e recriado magistralmente no filme.Bjs e ;)

8:11 da tarde  
Blogger JPD disse...

Olá lique!

(Não vi o filme. Os comentários que irei deixar prendem-se com o tema da vida, da morte, da eutanásia...da nossa cultura, afinal)

Eu não estou seguro de que a maneira como encaramos a vida seja a mais adequada. Sob a infkuencia poderosa do vector religioso, seguramente que não. Pelo menos aqui na orla mediterrânica. Experimentamos muitas dificuldades perante a morte. Isso é patente no dito «Estava muito sereno(a) quando morreu!» Ok. A morte é uma componente da nossa existência tal como a vida. Donde, se por princípio se fazem todos os esforços para dignificar a vida, por que não garantir a quem, no pleno gozo das suas faculdades intelectuais, emocionais, deseje, peça e lute por garantir para si e, afinal de contas para a sua família, assistênci na morte? Negando essa prerrogativa, qualquer indivíduo sentir-se-á lesado por derespeito à sua integridade.
É certo que a esperança de vida está a aumentar e que, não havendo qualquer acidente que a antecipe, a morte ocorrerá cada vez mais tarde. Ora, nesta perspectiva, a vitalidade pode depauperar-se gravemente. Será ou não correcto encarar a possibilidade de ajudar, aqueles que o pedirem, a antecipar sofrimentos aliviando-os de existencias indignas?
É claro que sim.
Bjs

10:58 da tarde  
Blogger Lyra disse...

Não vi o filme, mas pelos casos semelhantes que me são dados a conhecer mais a fundo sou a favor da eutanásia. Nesse caso não sei. Cada caso é um caso.
Nota-se que o teu ponto de vista está muito bem cuidado e gostei muito de o ler (aliás não sei se já te dei os parabens, porque gosto muito deste teu blog. Aliás até estou em falta lá pelo outro teu canto, mas quando o tempo é mais curto, e tenho que optar por um dos dois, confesso que este ganha sempre. Apesar de muitas vezes não te comentar, por falta de vontade mesmo. Não me apetece muito comentar. Ultimamente entro muda e saio calada. Mais rica no entanto. Continuo porem a ir visitar o nosso amigo Bertus e a comentar por lá, mas lá é tudo muito a brincar, é diferente.).
Quanto ao aborto, sou a favor de uma lei que liberalize o aborto. Enquanto essa lei não existe, defendo a sua legalização. (Mas isso é uma outra questão e daria tema de conversa por mais umas duas horas :-) )
Quanto ao teu outro post sobre a idade, não sei já se o outro antes deste, ou se um pouco antes. Li na altura que o escreveste e apeteceu-me dizer-te qualquer coisa como "ó pá então não vês que ninguem liga a isso?!" Depois calei-me porque me lembrei de uma vez te ter dito que olhava para ti como "uma mãe virtual". Aquela sempre pronta para nos dar colo, e que se precisasse de alguem daqui da blogosfera para o tal "colinho" seria a ti que escolhia. Isso quer eu queira ou não, tem a ver tambem com a idade. Mas tambem com a sabedoria que os anos te dão e outras coisas mais (que agora tenho que me ir embora :-) ). Um beijinho

3:11 da tarde  
Blogger Daniel Aladiah disse...

Querida Lique
Realmente, não há resposta definitiva, mas circunstâncias que pedem soluções à medida de cada um? Não sei...
Um beijo
Daniel

3:18 da tarde  
Blogger Ana disse...

Também não vi o filme, mas conheço essa e outras histórias reais semelhantes.
Se a vida deve ser vivida intensamente , não me parece que deva ser imposta quando deixa de ser Vida. O momento em que isto acontece só cada um pode decidir, e pode ser diferente de pessoa para pessoa. Mas a opção deve ser livre.
Obrigada por trazeres um problema actual e com interesse para muitos.
Um beijo.

3:43 da manhã  
Blogger CLIK disse...

O Click deseja Boa Páscoa!
Saudações Bloguianas!

12:01 da manhã  
Blogger Conceição Paulino disse...

Boa Páscoa (mtª luz e paz interior). Bjs e :)

6:03 da tarde  
Blogger Politikus disse...

Acabei de escrever acerca do mesmo assunto no meu blog e estou como tu. Não sei responder, é daquelas coisas, que só quem por lá passa é que sabe... É dificil.

7:00 da tarde  
Blogger Maria Azenha disse...

Lique, desejo-te uma Boa Páscoa.

Mais do que "ser a favor ou contra", é importante reflectir sobre assuntos de uma natureza destas.
E como a Humanidade não é um monobloco, em pensamento único, ainda temos de usar a " ferramenta" da quantidade para tomar decisões, o que continua a ser muito imperfeito.
(...9
bjs

8:02 da tarde  
Blogger Menina Marota disse...

Não tenho conseguido comentar aqui.

Não quero hoje falar deste assunto, já tive uma resposta aqui preparada, mas o Sapo "comeu-a". Depois, não consegui mais entrar...

Vim desejar-te uma Páscoa muito Feliz. Já o fiz no outro, mas faço-o aqui também.

Um abraço carinhoso :-)

http://eternamentemenina.blogs.sapo.pt/

9:08 da manhã  
Blogger lique disse...

>>Obrigada a todos pelos vossos contributos para este matéria que obviamente não é fácil de encarar nem de discutir. Se pensámos um pouco sobre isto, já foi positivo. E quem não foi ver o filme, aconselho sinceramente que vá. Vê-se tanta porcaria por aí que vale bem a pena ver um filme bem feito e que traz para a ribalta uma questão tão importante de equacionar.
Beijinhos e abraços

7:47 da tarde  

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