25 de Abril - O dia seguinte
Saí cedo. A excitação era muita e tinha que ir ao Técnico, ver como estavam as coisas. Afinal a vida não parava. Estava no último ano, já atrasada por um ano de “curso geral de cinema” e pelo tempo que o Instituto tinha estado fechado após as entradas “meiguinhas” da polícia. Além disso queria encontrar a malta. Que estariam a fazer, que mudanças iria encontrar?
No comboio, olhei as pessoas porque esperava que estivessem diferentes. Havia um clima estranho, de tensão, como se toda a gente quisesse falar mas não soubesse exactamente o que podia ou não fazer. O medo, pensei, o medo vai levar tempo a desaparecer. E senti a segunda sensação de desapontamento, após o dia anterior. A primeira tinha sido ao ver na televisão aquela Junta de Salvação Nacional. Tinha tido um aperto no peito, um pressentimento esquisito que mandara para longe. Não era dia para isso! Tirei o passe e olhei o meu cartão do Técnico. Aquele rectângulo plastificado era a solução que tinham encontrado. Deixávamos o cartão à entrada e íamos buscá-lo à saída. Como se estivéssemos numa prisão de alta segurança…
O comboio aproximava-se do Cais do Sodré e comecei a ouvir um barulho, pareciam gritos vindos da plataforma de chegada. Quando ia a sair, as lágrimas saltaram-me dos olhos sem que eu pudesse fazer nada. Os miúdos, os putos da rua do Cais do Sodré gritavam em coro para as pessoas que saíam do comboio:
“O povo unido jamais será vencido!”.
O meu coração disparou e comecei a perceber que a diferença tinha começado naqueles que nada temiam. A voz do Chile martirizado estava na boca dos meninos de Lisboa.
(Texto já editado a 21 de Abril de 2004)
8 Comentaram:
Deve ter sido uma grande emoção mesmo! Os medos agora são outros, embora os que antigamente eram temidos andam agora por ai disfarçados de democratas...
Apesar de tudo a democracia ainda é nova no nosso pais e os hábitos democráticos ainda não estão devidamente instalados....
um beijinho
André
Adorei a narrativa.
Um jinho GANDE de bom fds cheio de cravos lindos..
BShell
Que linda homenagem, minha querida.
Vivi esse dia a muitos milhares de quilómetros daqui mas imagino o turbilhão de sentimentos. Deixo-te, por isso, um belo cravo vermelho com o meu beijinho de amizade.
Olá lique!
Na nossa casa, na Rua das Trinas, depois do almoço, já sabíamos que o regime tinha caído. Restava um problema -- tudo o que viesse a seguir seria forçosamente melhor! -- mas o meu irmão mais velho estava em Angola. O que iria ser de tantos militares, deslocados no ultramar?
Fazes ideia da quantidade aerogramas que escrevi nessa tarde a fazer relatos do que era dito na emissão do RCP?!
Ainda hoje me espanta tamanha necessidade de minuciosamente põ-lo ao corrente de todos os detalhes.
Bjs
tens razão, só não viu quem não quis e continua....Bj grande e fraterno de Abril
Alice,
Mais um reviver de memórias na saga desta vida que também viveu o 25 de Abril.
Sabes que gosto muito da tua maneira de escrever.
O curso da revolução dos cravos é feito com narrativas vividas como a tua,
25 de Abril, sempre!
No dia 26, quando ia para lisboa, de carro, ao entrar na auto-estrada tive o momento mais emocionante desses dias. Parei o carro, saí e desatei num choro que não parava, Caxias tinha acabado de ser ocupada pelas FA. Não tenho sentido poético para poder descrever o que senti...
Um grande abraço.
Meus amigos, obrigada por terem vindo ler algumas das minhas memórias de Abril. Que a memória nos sirva para construirmos algo de positivo hoje, que a vida é agora! Beijinhos e abraços
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