domingo, maio 29, 2005

Os meus livros (III)





Se eu tivesse conhecido Clara, a clarividente, uns anos mais cedo, talvez lhe tivesse pedido que me dissesse o que via no meu futuro. Mas o meu encontro com ela, nas páginas de um livro pelo qual me apaixonei, deu-se já numa altura em que não me interessava muito saber o que me reservavam os dias à minha frente.
Mesmo sem ler os seus “cadernos de anotar a vida”, soube a sua história desde a infância até à morte, naquela família de mulheres de nomes “brancos”: Nívea, Clara, Blanca, Alba. Tudo o mesmo, em nomes diferentes, à excepção da irmã Rosa, a bela, a de cabelos verdes. A morte adivinhada de Rosa mergulhou Clara numa mudez voluntária durante 9 anos. Só a quebrou para anunciar a sua decisão de aceitar a vida que adivinhava e casar com Esteban Trueba, o pretendente de Rosa.
A vida com o violento e apaixonado Esteban em Las Tres Marias, o nascimento de Blanca e dos irmãos e o futuro destes enchem páginas de risos, lágrimas e encantamentos. A convivência com o sobrenatural e a quase “abstracção” fazem parte da maneira de ser de Clara, não a impedindo de ser amante, esposa e mãe em toda a plenitude.
Do Chile rural à cidade, a história de Clara e Esteban estende-se temporalmente durante quase todo o sec.XX , até à queda de Salvador Allende e as perseguições que se seguiram. Ideologicamente, em pólos opostos estão Esteban, homem de direita assumido, e Alba, a neta, que vive intensamente a época de Allende e sofre na carne a sua derrota.
Todo o livro podia ser um enorme mural em que a história daquela família fica eternizada. E, seguramente, muitas são as personagens que nos apaixonam. Mas para mim, Clara, a clarividente, é aquela que eu gostaria de ter conhecido, a que faz a ligação entre gerações e, de alguma forma, as influencia e explica.


Se um dia forem ao Chile e um qualquer artista vos vender um quadro de uma mulher sentada numa cadeira que paira no ar, talvez não se trate apenas de uma influência de Chagall. Talvez ele tenha ouvido a história de Clara e tenha resolvido pintá-la…. vinda directamente de “A Casa dos Espíritos” de Isabel Allende.

sábado, maio 14, 2005

As canções da minha vida (I)






Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Il faut oublier
Tout peut s'oublier
Qui s'enfuit déjà
Oublier le temps
Des malentendus
Et le temps perdu
A savoir comment
Oublier ces heures
Qui tuaient parfois
A coups de pourquoi
Le cœur du bonheur
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Moi je t'offrirai
Des perles de pluie
Venues de pays
Où il ne pleut pas
Je creuserai la terre
Jusqu'après ma mort
Pour couvrir ton corps
D'or et de lumière
Je ferai un domaine
Où l'amour sera roi
Où l'amour sera loi
Où tu seras reine
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je t'inventerai
Des mots insensés
Que tu comprendras
Je te parlerai
De ces amants-là
Qui ont vu deux fois
Leurs cœurs s'embraser
Je te raconterai
L'histoire de ce roi
Mort de n'avoir pas
Pu te rencontrer
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

On a vu souvent
Rejaillir le feu
D'un ancien volcan
Qu'on croyait trop vieux
Il est paraît-il
Des terres brûlées
Donnant plus de blé
Qu'un meilleur avril
Et quand vient le soir
Pour qu'un ciel flamboie
Le rouge et le noir
Ne s'épousent-ils pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas

Ne me quitte pas
Je ne vais plus pleurer
Je ne vais plus parler
Je me cacherai là
A te regarder
Danser et sourire
Et à t'écouter
Chanter et puis rire
Laisse-moi devenir
L'ombre de ton ombre
L'ombre de ta main
L'ombre de ton chien
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas
Ne me quitte pas.



Letra e música: Jacques Brel, 1959



[Até Junho, espero. Um beijinho grande para todos]

quinta-feira, maio 12, 2005

Em Oeiras há festa!





Venham até Oeiras! Não, não estou a fazer publicidade grátis da terra onde vivo. De 13 a 22 de Maio decorre, no Concelho de Oeiras, a Festa da Poesia. O programa é variado e cheio de atractivos e deveria poder ser consultado em www.festadapoesia-oeiras.pt que, no momento em que escrevo este post, não está operacional.
De qualquer forma podem saber informações pelo telefone 214188210, ou pelo e-mail: festadapoesia@cm-oeiras.pt. Quem vive no Concelho de Oeiras ou próximo, pode também consultar a edição de Maio da agenda cultural “30 Dias”.

Para aguçar o apetite:
- É dedicada uma atenção especial a Cesário Verde por decorrer em 2005 o 150º aniversário do nascimento do poeta.
- As diversas sessões e espectáculos contam com a presença de poetas, actores, grupos de teatro e grupos corais.
- Decorrerá uma Feira do Livro nos dias 14/15 e 21/22, no Parque dos Poetas.
- Deixo alguns nomes que estarão presentes: Urbano Tavares Rodrigues, Jorge Sequerra, Sílvia Pfeiffer, Rogério Samora, Margarida Marinho, Maria Lúcia Lepecki, Alberto Pimenta, Ana Hatherly, Pedro Abrunhosa, Cramol, La Batalla e …muitos mais.

segunda-feira, maio 09, 2005

Do cinema





O Yardbird, talvez para se vingar da minha passagem para ele da cadeia de literatura, mandou-me esta que diz respeito a cinema. Be afraid, be very afraid que, não tarda nada, ela bate à vossa porta...


1. Qual o último filme que viste no cinema?
Continuo a gostar de ir ao cinema e sentir a magia da sala às escuras. Também acho que há filmes que perdem muito quando vistos em casa. O último filme que vi foi “A queda - Hitler e o fim do III Reich”, sobre o qual já escrevi neste blog.

2. Qual a tua sessão preferida?
A das 21 e qualquer coisa (no que respeita a minutos, não sou esquisita…)

3. Qual o primeiro filme que te fascinou?
Terei que falar dos filmes da Disney, particularmente “A Bela Adormecida” que me encantou e aterrorizou, ao mesmo tempo. Também “Música no Coração”, pois claro! Sabia as canções todas.
Mais tarde foi a vez de “Casablanca” e de quase todos os filmes de Hitchcock.

4. Para que filme gostarias de te ver transportado(a)?
Escolher só um é difícil. Mas, tendo que escolher, será “Casablanca”, o meu filme mágico. Eu sempre quis conhecer Rick…

5. E já agora, qual a personagem de filme que terias gostado de conhecer um dia?
Bom, já falei de Rick. Uma paixão de sempre. Mais actual, talvez o Guido de “A vida é bela”. O humor e a inteligência conjugados dispensam a beleza!

6. E que actor(actriz)/realizador(a)/argumentista/produtor(a) gostarias de convidar para jantar?
Vou deixar em paz os que já morreram e pensar só em jantar com os ainda vivos.
Realizadores/produtores: Roberto Benigni, Pedro Almodôvar, Martin Scorcese, todos por razões diferentes mas que têm a ver com talento e sensibilidade.
Actores: George Clooney (mesmo só por razões óbvias), Ewan Mc Gregor, Kevin Spacey e Russel Crowe (por razões que têm a ver também com o seu extraordinário talento).
Actrizes (sim, porque não?): Nicole Kidman, Scarlet Johansson, Meryl Streep (cada uma um caso sério de beleza e talento).
Juntá-los todos é que seria complicado…

7. A quem vou passar isto?
Ao José Duarte, à Dora e ao Bruno.

sexta-feira, maio 06, 2005

Os meus livros (II)




Vejo-me em Praga, olhando os tanques russos que passam e destroem as minhas ilusões. Ali sou Tereza e Tomas é o meu amor. A minha paixão, o meu ciúme, a minha obsessão. Sou frágil e, no entanto, disposta a tudo por ele. Sinto-lhe nos cabelos o cheiro de outras mulheres. Para Tomas, cada mulher tem uma particularidade que o atrai. É a descoberta do que faz cada mulher única que o motiva. A ligação entre sexo e amor é, para ele, um paradoxo. Eu sei e adoeço de medo, de angústia de o perder.

Agora estou na Suiça, exilada, mas não sou Tereza. Ela está com Tomas em Zurique e eu em Genebra. Chamo-me Sabina e Tomas é o meu amante. Já o era em Praga. Sou livre, tenho opiniões muito minhas, não quero compromissos. Mantenho uma relação mais ou menos estável com Franz, casado com Marie Claude. Mas Tomas é especial. Parecido comigo, talvez. Até aparecer Tereza. Tomas e aquele chapéu de coco que guardo… ingredientes de encontros de que Tereza suspeita, sem ter certezas. Carrego comigo este gosto por seguir em frente sempre leve, sem carregar pesos de relações nem remorsos. Uma insustentável leveza.

Mais tarde… mais tarde serei novamente Tereza regressada ao meu país, sozinha. E Tomas virá atrás de mim, suportando uma vida sem horizontes, sem poder exercer sequer a sua profissão de médico. Terminado o seu gosto pela leveza, afogado no mar da minha ternura.
E no fim estarei numa aldeia escondida da Checoslováquia onde pensarei ter encontrado a paz, a felicidade. Com Tomas e Karenine (que afinal era cadela). A felicidade acaba com o fim trágico de que Sabina toma conhecimento, lá na América para onde seguiu, carregando a sua leveza.

Pensando bem, eu queria ter sido Tereza, Sabina e Tomas. Todos os matizes do amor passam no relacionamento deste triângulo.



(Quem não leu “A Insustentável Leveza do Ser” de Milan Kundera, pouco terá entendido. O remédio é ler…)

terça-feira, maio 03, 2005

A queda – Hitler e o fim do III Reich





Quando vi a apresentação, fiquei curiosa. Li depois algumas críticas polémicas e divergentes, o que me decidiu a ir ver mesmo.
Não conheço quase nada do cinema alemão actual. Não saberei dizer, portanto, se o filme de Oliver Hirschbiegel se insere na produção normal ou é uma excepção.
O argumento baseia-se nas memórias de Traudl Junge, secretária pessoal de Hitler de 1942-1945 e no livro de Joachim Fest “Inside Hitler’s Bunker – The last days of the Third Reich” e foca, particularmente, os últimos 12 dias passados no bunker, com o exército russo às portas de Berlim.





Não me pareceu um filme extraordinário. É, sim, um filme como muito boas interpretações, especialmente a do actor que protagoniza Hitler (Bruno Ganz). Também não me pareceu, em nada, um filme gerador de polémica.
Hitler é apresentado como um ditador ,àquela data já sem qualquer controle ou noção da realidade, mas absolutamente sem piedade ou escrúpulos, particularmente no que respeita à população de Berlim. No filme, os fanáticos são isso mesmo, os oportunistas também e a decadência do Reich é claramente mostrada. Claro que, em privado, os monstros como ele podem parecer óptimas pessoas. A aparente afabilidade para com quem ele privava é mostrada, mas imediatamente desmentida quando, como diz Eva Braun, ele passa a ser o Fuhrer.





Positiva parece-me ser a chamada de atenção, 60 anos passados, para o sofrimento do povo de Berlim naqueles dias. Um sofrimento causado não só pelo ataque russo mas também pelas medidas ordenadas por Hitler. Pelo menos, devemos ter consciência que dos dois lados existiu dor. Talvez seja bom que os alemães se libertem do pudor de falar sobre a guerra, do seu lado. Não para que compreendamos atrocidades que nunca terão perdão, mas para que consigamos ver o quadro global.
O filme deixa ainda, no depoimento de Traudl Junge, uma ténue interrogação que penso ser fundamental. Diz ela que a sua juventude, naquela época, não pode ser desculpa para não se ter apercebido de muito do que se estava a passar. E isso conduz-me à minha principal questão: como é que tanta gente não se apercebeu? Não será que olhar para o lado e fingir não ver, não querer saber é, por vezes, a solução mais cómoda? Sei que o medo existia, mas isso não explica tudo.

domingo, maio 01, 2005

Para todas as mães do mundo




Pablo Picasso, Mother and Child



Quando eu nasci

Quando eu nasci
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais ...
Somente,
esquecida das dores
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém ...

Para que o dia fosse enorme
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos da minha Mãe ...


Sebastião da Gama