quinta-feira, março 31, 2005

Maria:

Já lá vão tantos anos que eu nem sei porque te escrevo hoje, como se pudesses receber esta carta, como se a pudesses ler… Lembras-te como éramos amigas? Tinhas mais cinco anos que eu, eras linda e espalhavas alegria à tua volta. Sempre te invejei um pouco a facilidade com que fazias amigos, o namoro com o João que te adorava, a carreira profissional que se abria à tua frente. Lembro que, no dia em que vieste falar comigo e me pediste para te acompanhar àquela morada, não te entendi. Perguntei-te porque não falavas com o João, disse-te que ele tinha o direito de saber, disse tanta coisa própria da minha inexperiência… Tu só olhaste para mim e, com uma tristeza infinita no olhar, respondeste-me que não tinhas certeza dos teus sentimentos em relação ao João, que não estavas preparada para criar uma criança como sempre tinhas sonhado e que, naquela altura da tua vida, seria o pior que podias fazer a ti própria. Não devo ter percebido completamente (tudo se baralha agora, sabes?), mas acompanhei-te àquele lugar horrível que uma amiga te tinha indicado. Explicaste-me que não tinhas dinheiro de parte e que dizer aos teus pais estava fora de questão. Então, tinha que ser ali mesmo, naquele local onde passei alguns dos piores momentos da minha vida, esperando por ti. Saímos de lá e lembro a tua face branca, sem lágrimas. Não disseste uma palavra. Só soube de ti no dia seguinte quando me telefonaste a dizer que estavas com febre. Não devia ser nada. Passou mais um dia e ,nessa madrugada, a tua mãe ligou-me a dizer que estavas internada no hospital. Corri para lá, Maria e ainda consegui falar contigo. Agarraste a minha mão e só me pediste para tentar que o João te perdoasse e te entendesse. O João chorou muito, revoltou-se, odiou-te pelo que fizeste e por teres partido. E finalmente aquietou-se, como eu.
O João perdoou-te, senão nunca teria conseguido construir uma família equilibrada e ter três filhos. Uma das meninas tem o teu nome. Mas acho que, ao contrário de mim, a quem a experiência de vida fez compreender completamente as tuas razões, ele não entendeu nem vai entender nunca. Para ele a lengalenga será sempre: “Eu amava-a. Podíamos ter sido tão felizes!”. Mas eu sei hoje e tu já sabias então que o amor só não chega, que há outros mundos, outros horizontes. Será que tu falhaste esses horizontes ou partiste para eles, naquela manhã? Como eu queria saber de ti, Maria…



[Este texto foi escrito em Maio de 2004 e publicado no Blogue de Cartas que já chegou ao fim. Edito-o hoje aqui porque o tema é (sempre) actual e porque hoje decorre, em Setúbal, mais um julgamento de mulheres acusadas de praticarem aborto.]

domingo, março 27, 2005

Frágil rebelde




Hoje revi-te. Eras Jim, um adolescente desorientado que, na sua fragilidade, gritava para os pais em constantes discussões:

“You’re tearing me apart”

Ao teu lado, uma quase criança sem amor e uma rapariga igualmente desorientada, em plena crise de crescimento.

Tenho que te relembrar como Cal, no seu convencimento de que é, de facto, um mau rapaz e na sua incessante busca pelo amor do pai. Como não recordar o dramatismo e o desespero com que vê a prenda para o pai recusada?





“All my life, I've wanted your love and tonight I even tried to buy your love”

Como conseguiste emprestar-lhe aquela pena de si próprio, aquele esbanjar de sentimento por um pai severo que não o entende?

De alguma forma, Jett herda essa fragilidade daqueles que foste antes, mesclada com o desejo de afirmação perante Jordan e Leslie que o leva ao sucesso mas também a uma quase auto-destruição. O seu amor sublimado por Leslie traz alguns dos mais belos momentos do filme.

Revejo as tuas fotos. Muitas. Uma em particular, do Gigante, em que, perante Leslie aos teus pés, tens a pose de um crucificado com a espingarda por trás dos ombros.




Fragilidade, dor, beleza. Fotogénico como poucos. Sempre me pareceu que a adoração que a tua figura despertou em várias gerações vem duma atracção mesclada de erotismo e sentimento maternal. Uma mistura explosiva, deve dizer-se.

Não me interessam verdadeiramente muitos dos factos que dizem associados à tua vida real. Interessa-me o teu magnetismo na tela, o teu talento. Interessa-me pensar que, se fosses vivo, terias 74 anos. Não serias uma lenda, nem sei se não terias destruído a tua carreira de actor. Gosto de imaginar-te numa cerimónia dos Óscares a receber um prémio de carreira e a fazer um discurso sarcástico. Mas como é possivel saber o que aconteceria?

Este ano, lá para o Outono, faz 50 anos que morreste. Tinhas 24 anos. Haverá comemorações decerto, os posters com a tua imagem venderão ainda mais. Continuas a vender bem, Jimmy. E a estar no coração de muita gente. Será que alguma vez imaginaste que seria assim?



[James Dean nasceu a 8 de Fevereiro de 1931 e morreu a 30 de Setembro de 1955, num acidente de automóvel. Na sua filmografia, há três filmes memoráveis:

Fúria de viver (Rebel without a cause)

A Leste do Paraíso (East of Eden)

O Gigante (Giant)]

segunda-feira, março 21, 2005

Mar adentro

seainside1.jpg


Vi o filme há mais de uma semana. Dei o tempo de maturação necessário para, sem pensar muito nisso, conseguir perceber o que decididamente gostei e o que me incomodou na abordagem de Amenábar à história de Ramón Sampedro.
Ao contrário do que possa pensar quem ainda não viu e conhece a história real em que se baseia, o filme não é, de todo, demasiado emocionante ou deprimente. O belíssimo tratamento das imagens da Galiza e a sensação de espaços abertos em que, com a concentração, Ramón se imagina, retira a sensação de claustrofobia e depressão da vida de um tetraplégico que esteve numa cama durante 29 anos e que, por opção, nem sequer admitia deslocar-se regularmente em cadeira de rodas.
A figura de Ramón e a sua personalidade são-nos apresentadas de uma forma muito positiva, havendo inclusive momentos bastante divertidos, como a conversa “à distância” com o padre Francisco, também tetraplégico, que o quer demover da ideia da morte e alguns dos diálogos com Júlia, a advogada por quem se apaixona e Rosa, a rapariga simples que acaba por o ajudar a morrer.
Subjacente a todo o filme está a ideia assente de que Ramón quer morrer e o trabalho legal que a DMD ( Associación Derecho a Morir Dignamente) realiza para que lhe seja dada autorização para o fazer, sem que ninguém seja por isso perseguido pela justiça.
O discurso do advogado que defende a causa de Ramón perante os juízes apresenta um argumento que parece imbatível. Se Ramón se pudesse suicidar sozinho, ninguém o condenaria legalmente caso sobrevivesse, porque à luz da lei, suicídio não é crime. Não o podendo fazer sozinho e tendo afirmado com perfeita lucidez que o queria fazer, porquê perseguir judicialmente quem o ajudasse? Ainda assim, a justiça nega-lhe esse direito e é necessário que quem o ajude seja protegido. Quem conhece a história, sabe que assim foi.
Tenho que esclarecer que, para mim, a eutanásia ou o “suicídio assistido” se coloca no mesmo plano que o aborto. Para que possa haver liberdade de escolha em algo que é intrinsecamente do foro íntimo de cada um, tem que haver lei que o permita. Esta é a minha posição e, por isso mesmo, me interrogo sobre o porquê de algumas reticências em relação ao filme.
Na verdade, o que me incomodou foi a constatação de que, independentemente do seu corpo, Ramón era um ser humano mais vivo que muitos em plena posse das duas faculdades físicas, um poeta, um homem cheio de humor. O que é então a vida? Seria eu capaz, perante um ser humano assim, de o ajudar a morrer? Provavelmente não, tal como Júlia, que sofria de uma doença degenerativa, também não foi capaz de levar a cabo o pacto de suicídio. Foi cobarde? Talvez. Ou talvez tenha sido ela a corajosa. Quem será capaz de julgar?
Penso que Amenábar não quis fazer um panfleto pró-eutanásia. Para que o fosse, teria que “escurecer” muito o ambiente e toda a acção. A atmosfera luminosa, terna e bem-humorada de quase todo o filme dá à morte daquele ser humano excepcional um sabor amargo. Um sabor de perda. No entanto, era a sua inequívoca vontade. E é neste dilema que eu me debato. Sem ter resposta.

sábado, março 19, 2005

Memória

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.



Carlos Drummond de Andrade



[Hoje é o dia do Pai. Esta é a minha forma de lembrar o meu pai que já não está comigo há 12 anos]

quinta-feira, março 17, 2005

Da idade

Assumi a minha idade desde a entrada no mundo dos blogues porque a decisão de começar teve algo a ver com a crise existencial e o balanço da vida que , de certa forma, começou aos cinquenta e se agravou pelos cinquenta e cinco, “middle term” entre os cinquenta e os sessenta, passagem entre já não ser novo e entrar decididamente na velhice. Esta é a idade em que toda a gente nos passa a tratar por “minha senhora”, em que os olhos dos mais jovens revelam surpresa e ao mesmo tempo insegurança (“já tem cinquenta e cinco?”), ao mesmo tempo que se mostram claramente desconfortáveis ao discutir certos assuntos à nossa frente (sexo, nomeadamente).
Trabalho com gente jovem e tenho com essas pessoas uma óptima relação, mas já não consigo fazer com elas o que sempre consegui, mesmo em cargos de chefia. Não consigo que me tratem pelo meu nome, simplesmente, sem títulos. Agora, mesmo que eu faça a sugestão, fica claro que não é possível, por óbvio desconforto da parte dos outros. E a intimidade, como a confiança, não se força.
Esta constatação traz-me de novo aqui ,à blogoesfera. Aqui eu tenho dito várias vezes que não me dá jeito tratar os companheiros destas viagens por você. Talvez a razão provenha do facto de não saber de que idade são, o que fazem e portanto chegarem até mim como um carro com zero quilómetros. Só começo a fazer distinções pelo que escrevem e comentam, iniciando aí maiores ou menores afinidades que não têm a ver com sexo, idade, cor, religião. Eu não sei ao certo nada disso relativamente aos que estão do lado de lá. Mas, desse lado de lá, sabem algo que admiti desde o início: tenho mais de cinquenta anos. Isso condiciona um pouco os assuntos que abordo e certamente também os comentários que recebo. Quando visito blogues de gente claramente muito jovem e eventualmente deixo comentários, na resposta já não está a irreverência a que achei tanta piada. Podia continuar mas acho que já cheguei onde queria chegar: mesmo aqui, onde existe liberdade suficiente para nos expressarmos, não largamos as nossas condicionantes de partida. No entanto, conseguimos afinidades que, provavelmente, na vida real não se estabeleceriam, porque formamos a nossa opinião dos outros muito mais pelo que eles têm a dizer, pela sua criatividade, pela sua cultura do que por serem velhos ou novos, mulheres ou homens, brancos, negros, amarelos…Enquanto assim for e estar aqui me enriquecer com o “conhecimento” de pessoas que têm algo a dizer que vale a pena ouvir, aqui ficarei, claro. Mas fica-me a curiosidade de saber qual teria sido o percurso, se não tivesse dito a idade.

terça-feira, março 15, 2005

Não sou poeta

Se eu fosse poeta saberia escrever dos meus dias, não falando simplesmente de tristeza ou alegria. Saberia ornamentar de belas imagens as horas de amor. Não usaria palavras do dia a dia para dizer dos meus estados de alma. Saudade não seria só saudade. Distância não seria assim simplesmente distância. Nada seria tal qual é dito. Talvez quem lesse não percebesse bem o que eu queria dizer. Mas eu sabia. E dizia-o de forma bela.
Mas não sou poeta. Dizem que sou autêntica. O que quer que seja que isso significa. Ser autêntico, para mim, é ser igual a si próprio. Acho que a escrita seria muito enfadonha se eu fosse igual a mim própria e passasse a vida a contar o que me acontece ao longo dos dias. Se ser autêntico é defender aqui o que defendo na vida real, então concedo, sou autêntica. Mas a escrita tem que ser mais do que isso. É certo que parte da realidade, dos pormenores que nos prendem o olhar, de um acontecimento ou até de um sorriso. E sobre isso as palavras aparecem, de forma mais ou menos fluida.
Mas, de certeza absoluta, não sou poeta. Não enfeito, não sou sequer fingidora… Condição essencial, essa de ser fingidor. Se Fernando Pessoa não o tivesse escrito, provavelmente ninguém se lembraria disso. Mas escreveu. Ele era poeta. E sabia.

sábado, março 12, 2005

The dark side of the force





“Use the force, Luke!” Quantas vezes digo isto por brincadeira, quando quero transmitir a alguém que, para atingir algo, tem que usar a sua capacidade, aquela que é a sua verdadeira força e que, por vezes, está escondida!
Todos aqui tentamos “usar a força”. Sendo que esta força existe, não só em nós, mas nas poderosas ferramentas de comunicação que nos são disponibilizadas. A intrincada teia que é o mundo dos blogues e a incrível facilidade de alcançar outras pessoas que o msn nos dá, colocam nas nossas mãos uma verdadeira força que a maior parte utiliza para se divertir, escapar a um quotidiano cinzento, relaxar ou, em bastantes casos, simplesmente divulgar o seu talento e ter o feedback que precisa ter. Estamos a falar do lado bom da força em que podemos ser Luke Skywalker, princesa Leia, Obi-Wan Kenobi ou até um daqueles incríveis e deliciosos robots.
Mas existe um lado negro. A utilização obsessiva dessas mesmas ferramentas e a terrível “lente de aumentar” que é a net provocam estranhos fenómenos que também existem no mundo real mas não com a rapidez e intensidade dramática com que acontecem aqui. Falo da facilidade com que “amizades” que se diziam indestrutíveis se tornam em pouco tempo em razões de agressividade descontrolada. Falo da utilização dos blogues, não como o instrumento de prazer e diversão que deveriam ser, mas como uma ferramenta de ameaça, chantagem e agressão. Falo da forma como as pessoas se “auto-flagelam” com o msn, tentando saber quem o bloqueia e dando a esse facto as mais extravagantes interpretações, entrando em “parafuso” porque este ou aquela estão on-line e não os chamam, etc.
O lado negro existe. Talvez porque as pessoas que estão por detrás do ecran do PC tenham esse lado negro dentro delas. A net só o potencia, fazendo por vezes esquecer que existem amizades reais, bem verdadeiras, bem comprovadas. O que me espanta é a facilidade com que essas amizades se destroem. A solidão, o desequilíbrio, a obsessão fazem surgir os Darth Vader deste mundo virtual.
Eu precisei escrever isto. Sem que nada disto se tenha passado comigo directamente. Raramente uso o msn. Não costumo agredir ninguém no meu blogue nem deixar agredir. As pessoas que considero amigas têm-no sido, sem excepção. Mas parece que este blogue nasceu para escrever aqui aquilo que me incomoda no dia a dia. Será?

Usem a força. Atinjam os objectivos a que se propuseram. Divirtam-se. Mas não se deixem atrair pelo “dark side”. Do outro lado, estão pessoas.

terça-feira, março 08, 2005

Casablanca revisitada




Percorro as ruas de Casablanca. Nem estranho que tudo esteja como no filme que sempre considerei “o meu filme”. Coisas de rapariga romântica.
Por isso, o café do Rick está ali bem em frente de mim e, do mercado/bazar onde Ilsa andou às compras, vêm cheiros intensos de tâmaras e especiarias. Aproximo-me e olho os tecidos coloridos. Gostava de levar comigo alguns mas nunca tive jeito para regatear e não sei se o vendedor me fará um desconto especial por ser amiga de Rick. Um polícia aproxima-se …capitão Renault?

(Só porque o homem era francês tinham que lhe dar o nome de uma marca de automóveis?)

Insinuante, pergunta-me quem sou e se me pode ser útil em alguma coisa. Ora… ele julga que eu não vi o filme? O tipo de utilidade que ele pensa que tem não me interessa.
Eu venho mesmo é à procura de um herói. Qual? Não sei ainda. Mas, se estão cá todos, posso sempre tentar entender se prefiro Rick ou Laszlo. Foi sempre uma dúvida fundamental na minha visão do filme.
Entro no café de Rick. Não vale a pena adiar. Olho aquelas mesas antigas na penumbra e lá está o piano. É de dia… será que? Sorte a minha! Sam está sentado em frente ao piano. A ensaiar.

(Para que precisa ele de ensaiar? Toca aquela melodia há sessenta e tal anos…)

As notas de “As time goes by” espalham-se pelo espaço do café. A atmosfera está perfeita. Mas… há alguma tristeza no olhar de Sam. Claro que a amizade com que Rick o trata não subverte o facto de ele ser negro e Rick americano. Está ali para servir. “Play it again, Sam!”.
Sento-me numa mesa e espero. Rick aparece, vindo do fundo do café. Não posso negar as batidas do meu coração. Herói, anti-herói, Rick preencheu sempre o meu imaginário. Porque será que espero que ele diga “Of all the gin joints in all the towns in all the world, she walks into mine.”?
Mas não diz. Senta-se na mesa sem convite, olha-me com aquele olhar de tristeza sedutora, pede uma bebida para mim, levanta o copo que traz sempre na mão e diz :”Here’is looking at you, kid!”. E vai-se embora, qual imagem congelada na sua espera eterna de Ilsa que só a “beautiful friendship” com o capitão Renault parece consolar.

(Não, Rick não é o meu herói. Demasiados clichés para um herói. E nem sequer posso dizer que “We’ll always have Paris”).

Falta-me ver Laszlo. Foi-se embora, no filme. Será que alguma imagem dele não ficou por aqui? Entro no “Blue Parrot”, talvez ele se materialize por lá. Vou pensando em como Laszlo é perfeito. Resistente, combativo, íntegro, amante/amigo. E mais bonito que Rick, convenhamos. Embora sem tanto charme. Um homem de causas. Afinal, também ele um conjunto de clichés.

(E se o homem interrompe alguma cena amorosa para cantar a Marselhesa, só para mostrar a sua militância? Sempre me pareceu com alguma falha de sex-appeal…)

Laszlo não aparece e eu sei que ele também não é o meu herói.

Para mim, é altura de saltar fora da tela do cinema. Mas que ideia… Quero mesmo é voltar a ver o filme, onde eles mantêm aquele encanto intemporal. E cantarolar “You must remember this…”.

sábado, março 05, 2005

Dias de pedra. Fria




Por vezes dizem-me para escrever uma coisa bonita. Que raio é uma coisa bonita? Alguém sabe? Eu não.Posso escrever sobre o amor que se tem e o que se dá. Sobre as boas e as más surpresas que o(s) amor(es) trazem à nossa vida. Sobre a indiferença que cresce e a monotonia. Sobre os assuntos mais que esgotados: saudade, ausência, espera, doação de corpos, almas, sei lá que mais. Até posso escrever sobre política (mas isso não seria bonito, de certeza).
Estou farta de tudo isso. Não quero escrever coisas bonitas nem feias. Hoje nem quero escrever. Quero apagar todas as palavras que me escorrem dos dedos. Quero fazer desaparecer todas as parvoíces que disse, todos os “poemas” que fiz, todas as frases que por aqui foram ficando. Saíram de mim mas não as consigo ler. Agridem-me como corpos estranhos gerados na minha alma. Hoje sinto-me feita de pedra fria. Sinto-mo em greve de emoções. Porque as que tenho estão a banalizar-se, a cristalizar em formas que não são minhas. Deviam vender-se emoções frescas. Novas. Vibrantes e límpidas. Que, ao repetir-se, conseguissem ser sempre diferentes. Não há na loja? Na vida também não.
Nestes dias em que a alma petrifica e gela, dou por mim a escrever linhas seguidas de grossas asneiras, só para ter a certeza de que não estou a escrever nada “bonito”. Nunca, mas nunca me digam para fazer seja o que for “bonito”! Talvez, na verdade, nunca me digam “faz isto ou faz aquilo”. Eu raramente faço o que me dizem e, se o faço, contrariando-me, algo dentro de mim fica a germinar e lenta, lentamente, cristaliza sentimentos que ferem como lâminas de gelo. Ou de pedra. Fria.

Inauguração

Porquê um novo espaço? Não sei bem. Tenho uma boa razão. Os servidores da weblog estavam a funcionar mal e comecei a construir um espaço alternativo, para o caso de... Mas agora parece que tudo voltou ao normal e resolvi manter este nova casa.
Construir blogs também é um vício. Dar-lhes forma, imaginar o aspecto. Talvez por isso, mesmo sem saber bem qual vai ser a diferença entre este e aquele que eu considero a minha casa principal, estou aqui a escrever e a inaugurar este espaço. Para mim, fundamentalmente. Para quem aparecer, também. Sem mais delongas, já que esta tem sido uma semana de comemorações, vamos lá abrir o champanhe e molhar o chão para dar sorte! Tchim, tchim!