terça-feira, abril 26, 2005

Os meus livros (I)

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Salvador Dali, Meditative Rose


Da rosa

Da rosa eu sei
a côr
o perfume ´
a doçura da pétala.

Da rosa eu sei
a oferta
o amor
o ser efémero.

Da rosa não sei
o símbolo
o sagrado
o Graal inatingível.

Da rosa quero guardar
a beleza que fenece
o perfume que se vai
o mistério que não sei.



(olhando Dali e relendo o Código da Vinci)

sábado, abril 23, 2005

25 de Abril - O dia seguinte

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Saí cedo. A excitação era muita e tinha que ir ao Técnico, ver como estavam as coisas. Afinal a vida não parava. Estava no último ano, já atrasada por um ano de “curso geral de cinema” e pelo tempo que o Instituto tinha estado fechado após as entradas “meiguinhas” da polícia. Além disso queria encontrar a malta. Que estariam a fazer, que mudanças iria encontrar?
No comboio, olhei as pessoas porque esperava que estivessem diferentes. Havia um clima estranho, de tensão, como se toda a gente quisesse falar mas não soubesse exactamente o que podia ou não fazer. O medo, pensei, o medo vai levar tempo a desaparecer. E senti a segunda sensação de desapontamento, após o dia anterior. A primeira tinha sido ao ver na televisão aquela Junta de Salvação Nacional. Tinha tido um aperto no peito, um pressentimento esquisito que mandara para longe. Não era dia para isso! Tirei o passe e olhei o meu cartão do Técnico. Aquele rectângulo plastificado era a solução que tinham encontrado. Deixávamos o cartão à entrada e íamos buscá-lo à saída. Como se estivéssemos numa prisão de alta segurança…
O comboio aproximava-se do Cais do Sodré e comecei a ouvir um barulho, pareciam gritos vindos da plataforma de chegada. Quando ia a sair, as lágrimas saltaram-me dos olhos sem que eu pudesse fazer nada. Os miúdos, os putos da rua do Cais do Sodré gritavam em coro para as pessoas que saíam do comboio:

“O povo unido jamais será vencido!”.

O meu coração disparou e comecei a perceber que a diferença tinha começado naqueles que nada temiam. A voz do Chile martirizado estava na boca dos meninos de Lisboa.



(Texto já editado a 21 de Abril de 2004)

quarta-feira, abril 20, 2005

Poetas de Abril (III)

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Eu sou português aqui


Eu sou português
Aqui
em terra e fome talhado
feito de barro e carvão
rasgado pelo vento norte
amante certo da morte
no silêncio da agressão.

Eu sou português
Aqui
mas nascido deste lado
o lado de cá da vida
do lado do sofrimento
da miséria repetida
do pé descalço
do vento.

Nasci
deste lado da cidade
nesta margem
no meio da tempestade
durante o reino do medo.
Sempre a apostar na viagem
quando os frutos amargavam
e o luar sabia a azedo.

Eu sou português
Aqui
no teatro mentiroso
mas afinal verdadeiro
na finta fácil
no gozo
no sorriso doloroso
no gingar dum marinheiro.

Nasci
deste lado da ternura
do coração esfarrapado
eu sou filho da aventura
da anedota
do acaso
campeão do improviso,
trago as mão sujas do sangue
que empapa a terra que piso.

Eu sou português
Aqui
na brilhantina em que embrulho,
do alto da minha esquina
a conversa e a borrasca
eu sou filho do sarilho
do gesto desmesurado
nos cordéis do desenrasca.

Nasci
Aqui
no mês de Abril
quando esqueci toda a saudade
e comecei a inventar
em cada gesto
a liberdade.

Nasci
Aqui
ao pé do mar
duma garganta magoada no cantar.
Eu sou a festa
Inacabada
quase ausente
eu sou a briga
a luta antiga
renovada
ainda urgente.

Eu sou português
Aqui
o português sem mestre
mas com jeito.
Eu sou português
Aqui
e trago o mês de Abril
a voar
dentro do peito.


José Fanha

domingo, abril 17, 2005

Star quality




Sabem uma coisa? Gosto desta mulher. Gosto mesmo. Tem algo que já não estamos habituados a encontrar nos actores e actrizes de hoje em dia. Algo que marcou muitos dos ídolos do cinema e fez com que, ainda hoje, sejam referências para o comum dos mortais e para outros actores. Algo identificável que é difícil de descrever porque é só dela e a torna única. Não é só beleza, nem classe nem talento. Que aliás ela tem para dar e vender. É uma mistura de tudo isso que lhe dá “star quality”. Ela é, de facto, uma estrela e tem ainda um pouco daquela magia a que o cinema nos habituou.




Birth (O mistério)


Vem tudo isto a propósito de ter visto, nos últimos tempos, dois filmes de que é protagonista: “Birth (O mistério)” e “A intérprete”. No que se refere ao primeiro (Birth), é, na minha opinião, um filme mal conseguido que parte de um argumento que também nem sequer é basicamente original. As histórias de reencarnações de maridos prematuramente mortos aparecem de vez em quando e acho que nenhuma deu ainda um grande filme. O facto de o marido dela (Nicole/Anna) ter reencarnado numa criança e dela se apaixonar por essa criança podia ser, pelo menos, polémico. Mas o filme não tem nenhum golpe de asa, nem sequer nesse sentido. Parece que falta sempre qualquer coisa e que o realizador não sabia bem como iria acabar a história. O final (cena do novo casamento de Anna) também é uma cena um pouco patética e mal conseguida. Mas a classe de Nicole passeia-se pelo filme e, afinal, ela parece ter uma queda natural para estes filmes semi-misteriosos.




A intérprete


O segundo filme (A intérprete) já pertence, quanto a mim, a outra “Liga”. Para isso concorre um bom argumento (embora também previsível), uma realização bastante conseguida e um outro excepcional intérprete –Sean Penn. O filme tem um bom nível de suspense, intervenção política q.b. e, claro, uma história de amor credível. Tendo sido o primeiro filme que foi filmado dentro do edifício das Nações Unidas, dá-nos alguma visão do trabalho no interior da organização. E, claro, defende a tese altamente discutível de que é ali que se resolvem todos os conflitos mundiais. Mas tem também um cheirinho de África na música, nas tradições que Nicole/Sílvia defende e infelizmente na suja política e interesses que por lá se movem. Mais uma vez Nicole compõe uma personagem perfeita. E obviamente Sean Penn é o agente secreto que a protege com aquela triste história de perda familiar que todos eles têm (porque será?).

Tendo falado dos filmes, resta dizer que, neste momento, esta senhora é uma mais valia para qualquer filme. E que verdadeiramente pode fazer o que lhe apetecer. Pessoalmente, gostava sempre de a ver em filmes ao nível de “As horas” ou “Os outros”. Mas nem tudo pode ser excelente, não é?

quinta-feira, abril 14, 2005

Poetas de Abril (II)

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O Futuro

Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.

Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente.

Depois da tempestade há a bonança
que é verde como a cor que tem a esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.

O que é preciso é termos confiança
e fazermos de maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai.


José Carlos Ary dos Santos


(Será?)

segunda-feira, abril 11, 2005

Cadeia de literatura



Ex-libris da tugoesfera


"é iniciada aqui uma cadeia de literatura pela blogosfera portuguesa, vou chamar-lhe o ex-libris da tugosfera.
a iniciativa foi do barrie do the pink bee, que fez o primeiro post a 7 de março, e foi-me passada pelo guy do non tibi spiro para lhe dar "o sabor do sul da europa". espero que a sigam."

O testemunho foi-me passado pela Encandescente e pelo OrCa



Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?

- Só queria ser um livro em branco. Não queria que nada em mim estivesse escrito à partida.


Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?

- Fiquei completamente fascinada pelos personagens de “A insustentável leveza do ser” de Milan Kundera. Por todos eles.


Qual foi o último livro que compraste?

- ”Memórias das minhas putas tristes” de Gabriel Garcia Marquez


Qual o último livro que leste?

- “O vendedor de passados” de José Eduardo Agualusa


Que livros estás a ler?

- “O estado dos campos” de Nuno Júdice


Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?

- A trilogia do “Senhor dos Anéis” de Tolkien (3)
Obra Poética de Sophia de Mello Breyner Andresen
“A casa dos espíritos” de Isabel Allende


A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?

- À Seila por querer saber mais de alguém cuja escrita me maravilha mais um pouco em cada dia.
- Ao Yardbird pela curiosidade que tenho relativa aos gostos de quem consegue um tal equilíbrio e beleza, escrevendo em diversos registos.
- À Moriana porque o que ela escreve me fascina e quero saber mais um pouco sobre ela.

sexta-feira, abril 08, 2005

Poetas de Abril (I)

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Abril de Sim, Abril de Não

Eu vi Abril por fora e Abril por dentro
vi o Abril que foi e Abril de agora
eu vi Abril em festa e Abril lamento
Abril como quem ri como quem chora.

Eu vi chorar Abril e Abril partir
vi o Abril de sim e Abril de não
Abril que já não é Abril por vir
e como tudo o mais contradição.

Vi o Abril que ganha e Abril que perde
Abril que foi Abril e o que não foi
eu vi Abril de ser e de não ser.

Abril de Abril vestido (Abril tão verde)
Abril de Abril despido (Abril que dói)
Abril já feito. E ainda por fazer.


Manuel Alegre


[Porque estamos em Abril. Porque não podemos esquecer.]

terça-feira, abril 05, 2005

Zhang Yimou – Para lá das artes marciais



"O segredo dos punhais voadores" - o amor


A minha reacção, quando me falaram de ir ver “O segredo dos punhais voadores” foi de dizer que não estava nada virada para artes marciais, lutas de espada e argumentos idiotas. Não tinha visto “Herói”, o filme anterior mais conhecido deste realizador. Portanto a minha referência (bastante boa, aliás) do cinema chinês actual vinha apenas de “O tigre e o dragão”, de Ang Lee, do qual tinha gostado mas que acreditava ser uma pérola rara. Ignorância pura sobre a realidade do cinema chinês (ou de origem chinesa, porque estes são filmes “made in Holywood”).
Acabei por ir ver o filme, claro, ou não estaria para aqui a falar sobre ele. E, no dia seguinte vi o DVD do “Herói”. Foi uma dose reforçada. E… adorei! Dito isto assim, parece um comentário idiota. Mas o facto é que adorei, mesmo.



"Herói" - o amor - azul


Acho que, num filme, não conta apenas o argumento, a interpretação, etc. Há algo que nos pode tocar de forma imediata que é a estética do filme. A imagem, a cor, o cenário, até o vestuário. A forma como a câmara nos mostra cada plano.
A estética destes dois filmes é absolutamente extraordinária. Existe um apuro tal em termos de cor e “encenação” de cada plano que uma cena de acção se diria composta de vários quadros em que tudo é perfeito.



"Herói" - negro




"Herói" - vermelho

Destaco fundamentalmente no “Herói” a narração da história em variações cromáticas: o preto, o vermelho, o verde, o azul e o branco (a verdade é branca…). As cores harmonizam-se no vestuário, na paisagem, nos pormenores do cenário. Um sonho de imagem.




"Herói" - verde




"Herói" - branco


Em “O segredo dos punhais voadores” a cena da luta na floresta de bambu, toda ela também em tonalidades de verde e ambiente de semi-nevoeiro, onde a perícia das espadas corta os bambus e a folhagem num bailado de uma beleza incrível, quase vale todo o filme. Mas há também a dança de Mei e o jogo do eco que proporcionam momentos de excepcional encanto.




"O segredo dos punhais voadores" - Na floresta de bambu






"O segredo dos punhais voadores" - Jogo do eco


Não pareço estar a falar de um filme de artes marciais? Não, de facto. Nestes filmes, a beleza vai muito para além da estética bem coreografada das artes marciais ou até do maravilhoso trabalho com o fio que nos dá a sensação de que as personagens voam. Até a morte quando ocorre é estilizada e o sangue (aliás quase inexistente) um elemento cromático com a mesma importância dos outros.





"O segredo dos punhais voadores" - Dança de Mei

O que, fundamentalmente, me cativa é o apuro estético, os argumentos baseados em histórias tradicionais chinesas, as belíssimas histórias de amor. Filmes para sonhar. Quem não acredita, vá ver.

domingo, abril 03, 2005

Hoje quero ler...



Sandro Botticelli, Primavera



Todo o amor se inventa


Todo o amor se inventa, se alimenta
de um gesto pressuroso que deslaço
De uma rosa que súbito fragmenta
outro fragor de uma fragrância em Março.

Todo o amor renasce nesta boca
que obsessiva o canta e o cativa
E em Abril se gera parva a força
onde a verde ilusão se mantém viva.

A todo o amor eu rendo o meu tributo
E tudo esmero: a fé na utopia
A bruta hibernação, a longa espera.

Mas o meu coração é mais astuto
-Simula não viver o dia a dia
para entregar-se inteiro à Primavera.


Nuno de Figueiredo